No Dia Nacional do Combate às Drogas e ao Alcoolismo, o assunto é: promoção da saúde

O dia 20 de fevereiro é o Dia Nacional de Combate às Drogas e ao Alcoolismo, portanto dedicado a uma importante reflexão sobre o uso abusivo dessas substâncias nossa população. Um levantamento divulgado em julho de 2023 pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) constatou que boa parte dos brasileiros abusam de bebidas alcoólicas, mas não percebem seu padrão de consumo como problemático. Os dados do levantamento mostram que 27% têm consumo moderado de álcool e 17% abusivos, mas 75% dos consumidores abusivos acreditam que são consumidores moderados.

Os dados ajudam a reafirmar uma posição adotada pelo Centro de Promoção de Saúde (Cedaps), parceiro da Rede Voluntária Vale, de que é preciso investir em promoção de saúde para ajudar as pessoas que estejam fazendo uso abusivo dessas substâncias. Para explicar melhor essa política, fizemos uma entrevista com a diretora executiva do Cepads, Katia Edmundo, que nos ajudou a refletir, sobretudo, sobre o papel dos voluntário(a)s. Quando e como agir para ajudar, por exemplo, uma família que está vivendo o drama por conta do uso abusivo de substâncias lícitas ou ilícitas quando elas estão causando um grande mal à saúde física e mental?

Abaixo, a entrevista na íntegra:

Por que é importante ter um Dia Nacional de Combate às Drogas e ao Alcoolismo?

Katia Edmundo – Datas como essa são importantes porque se tornam marcos que garantem mais visibilidade para o tema na sociedade. No caso específico, dado que é uma situação de saúde de agravamento no contexto brasileiro, isso ajuda a mobilizar pessoas, tanto na questão de informação quanto em serviços.

 

É importante você dizer que é uma questão de saúde. Como fazer este link, entre drogas, álcool e saúde?

Katia Edmundo – Nossa abordagem, no Cedaps, é sempre pela promoção da saúde. Veja que estamos falando aqui de substâncias diferentes: o álcool, que é legal, licito, e a droga, que na nossa sociedade é ilícita. Esses dois eixos – do lícito e do ilícito – são bem importantes, já que são substâncias que geram dependência mas que têm uma trilha diferenciada na sociedade.  O álcool está muito envolvido na cultura brasileira, passando uma imagem de sociabilidade, tem propaganda positiva na televisão. No caso das drogas, elas têm um elemento mais agravante porque, apesar de estarem presentes na sociedade, elas são condenadas, existe todo um processo de repressão, criando uma situação de violência nos centros urbanos e nos centros rurais. Por isso é importante informar a sociedade sobre os tipos de drogas, os tipos de efeitos dessas drogas, que são variados. E tem ainda outros componentes, como por exemplo o uso dos medicamentos controlados e o quanto eles também causam dependência, quando não bem acompanhados.

 

O que você sugere que os voluntário(a)s façam ao perceberem que uma família está lidando com o drama do vício de um de seus membros?

Katia Edmundo – O acolhimento da pessoa que busca apoio se dá, obviamente, na interação com as Unidades Básicas da Saúde, e é onde os voluntário(a)s devem buscar parceria. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) são destinados ao atendimento de pessoas com sofrimento mental grave, incluindo o decorrente do uso de álcool e drogas. Mas, para além disso, é possível que voluntários e voluntárias trabalhem a prevenção, a promoção da saúde, gerando lazer de qualidade, organizando encontros educativos com especialistas das UBS para darem informação,  porque isso pode levar à auto reflexão. A esses espaços chamamos de “espaços de ancoragem, de acolhimento”. É possível criar fatores protetores para se pensar numa sociedade mais saudável. Então, respondendo mais diretamente: em vez de os voluntário(a)s atuarem diretamente na atenção à dependência quimica, eles podem atuar na promoção da saúde mental, criando espaços de maior acolhimento para aquela familia, para a comunidade como um todo. Isso ajuda a gerar um ambiente mais livre de estigma.

 

Fale mais sobre o estigma, por favor.

Katia Edmundo – As pessoas sofrem muito quando têm alguém adicto na família porque elas têm medo do preconceito, de como a sociedade vai agir. Essas famílias precisam de uma escuta menos preconceituosa possível porque elas têm uma demanda especial. Em geral, essas famílias são muito criticadas. Seja porque quer internar, seja porque não quer internar, seja porque dá dinheiro, seja porque passa a mão na cabeça. A família se sente fracassada, e se pergunta: por que eu criei alguém assim? Por que na minha família?

 

Como ajudar?

Katia Edmundo – É preciso, sobretudo,  transmitir a informação correta, de que o abuso de álcool e outras drogas é um problema de saúde, não é um problema de caráter. O abuso de drogas e álcool pode estar muito próximo aos transtornos mentais. E, na hora da escuta, evitar a dimensão moral, que não ajuda.

 

Sendo assim, a melhor mensagem para os voluntários e voluntárias, seria: peçam ajuda antes de oferecer ajuda, certo?

Katia Edmundo – Exato. É melhor não interferir sem pedir ajuda à rede pública de saúde, através do Caps e do Caps ad. A atenção primária é parte dessa rede, chamamos esses agentes de “coordenadores do cuidado”. Eles sabem dimensionar o problema,  considerando a gravidade da situação que a pessoa está vivendo. Até porque, é muito importante considerar que cada caso é um caso, as histórias são singulares. Cada um tem um nível de tolerância (ao álcool e às drogas), há questões emocionais a serem consideradas, tem a história pessoal. Portanto, não é algo que se trate numa ação em massa. Não custa repetir: um ambiente mais bem informado é um ambiente mais protetor.

 

Uso de álcool e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

A meta 3.5 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável se refere a Fortalecer a Prevenção e o Tratamento do Abuso de Substâncias, incluindo o abuso de drogas e o uso prejudicial de álcool. O álcool afeta significativamente vários outros objetivos, incluindo o 3.4 – reduzir mortes prematuras por doenças crônicas não transmissíveis em 1/3 até 2030 e 3.6 mortalidade relacionada ao transito e 3.3 combater  a hepatite. Mas abordar essa questão ajudaria também a alcançar outras metas, como a redução da violência contra as mulheres.

A média de consumo diário do brasileiro é de três doses por dia. E é uma média maior do que o consumo das Américas, e o  Beber Pesado Episódico (BPE) aumentou entre as mulheres. A idade de experimentação é de 12,5. A fonte desses informações é o levantamento Álcool e a Saúde dos Brasileiros realizado em 2023 pelo Centro de Informação sobre Saúde do Álcool (Cisa).